Além do Pomar
“Onde os frutos são mais frescos”
“Sempre sentira que era muito, muito perigoso viver, ao menos um dia que fosse”. Marcelo está lendo As Horas de Michael Cunningham. Assistiu ao filme e resolveu procurar o livro, encontrou um livro melancólico, profundo e lindo. Um pouco como ele próprio, um cara melancólico, profundo e lindo (mas com certa dose de humor).
Marcelo hoje está ainda mais melancólico, recebera um dia de folga e não tinha nenhum plano para usufruí-lo. Queria ter um namorado para ir ao cinema, passar uma tarde romântica a dois. Lá pelo meio da tarde acha um bilhete de sua mãe pedindo que fosse ao banco. O sentimento que lhe toma é ambíguo, euforia por achar uma ocupação e raiva por ter que ir ao banco. Mas a obrigação fala mais alto. O ânimo com que chega ao banco é contagiador, principalmente quando se dá conta da fila que lhe espera. Para pior a situação um funcionário aparece para “organizar” a fila, e ele acaba espremido entre uma velha muito gorda a sua frente e um grandalhão a suas costas. Marcelo começa a ler o livro que trouxe junto, parece que pressentira o que lhe esperava. O primeiro esbarrão do homem atrás de si ele releva, no segundo ele perde a concentração no livro, e no terceiro ele perde a paciência, mas mantém a calma. Talvez essa seja a sua maior virtude, a paciência. O homem parece ter percebido sua irritação, pois fica longos cinco minutos sem lhe tocar. E qual não é a sua surpresa ao voltar a sentir a presença do seu vizinho de fila? Dessa vez ele passou dos limites, fica passando a ponta da chave do carro pela suas costas, ao longo de sua coluna. Marcelo se vira e lança um olhar fatal. O atrevido ainda lhe pergunta: Gostou? Marcelo retruca: E você gosta do seu nariz? O homem ri incrédulo, mas fica na sua. Ainda bem pensa Marcelo, pois o cara tem mais de 1,80 m e nem que quisesse poderia bater nele. Ele chegou a pedir desculpas, mas Marcelo não quis nem saber e voltou para o seu livro. Um certo alívio percorre o seu corpo quando sai do banco, que é interrompido pela presença do pedante da fila. Marcelo ignora o seu chamado, mas não adianta, ele lhe alcança e lhe puxa o braço. O sangue de Marcelo lhe sobe a cabeça, quanta audácia desse cara. Vem com um papo de que me achou interessante e me convidou para um programa a dois. Exausto Marcelo responde que não tem interesse, vira as costas e segue o seu rumo. Antes de voltar para a casa ainda passa no correio, irá postar uma carta para o seu amigo Rafael. Começa então a pensar na situação que acabou de passar, tudo muito surreal. Que cara nojento, desses enrustidos que pensam que todo gay é fácil, só querem saber de sexo. Pior que o cara inconveniente era muito bonito, bem vestido, voz legal, cabelo legal, um verdadeiro Tipão (com “t” maiúsculo mesmo). Mas Marcelo logo esquece isso, seu pensamento anda por outros lugares, pensa em sua vida, sua família, seu futuro. Não percebe que alguém chega e senta ao seu lado, e que esse alguém está falando com ele. Somente na terceira tentativa é que se dá conta, mas não acha a menor graça nessa peça que o destino lhe prega.
- Você ainda está bravo comigo.
É o que ouve da boca do mesmo homem inconveniente do banco, agora sentado ao seu lado.
- Putz, é você? Não....eu não estou bravo, responde ríspido.
Ele ignorando o tom das palavras de Marcelo abre a pasta e entrega um cartão a ele.
- Você saiu tão depressa do estacionamento que não tive tempo de te dar isso aqui.
Marcelo pega o papel nas mãos e fica olhando ele, pensa “esse é um cara boa pinta, que está se jogando para cima de mim. Fez uma abordagem péssima, mas é alguém que eu transaria de olhos fechados, será isso alguma brincadeira?”. Mas era claro que tinha algo de errado nisso tudo, somente agora que Marcelo percebe a aliança que brilha na mão esquerda desse homem. O homem lhe pergunta o que aconteceu, pois ele pegou o cartão e não disse mais nenhuma palavra. Marcelo responde quase imediatamente.
- Você é casado? E tem o hábito de passar a chave do carro nas costas das pessoas que lhe interessam?
- Na verdade eu estou divorciado, a aliança é por hábito mesmo, sei que isso parece um xaveco, mas não é a primeira vez que eu te vejo e não faço essas coisas com quem me interesso. Responde o homem com um lindo sorriso sacana no rosto.
- Ah é, além de sacana você é detetive?
- Talvez você não se lembre de mim, pois na época era muito pequeno, mas sou amigo do seu irmão, jogávamos bola na rua.
Marcelo se assusta, quem será esse misterioso homem? Com medo finge que se lembrou dele, mas tenta cortar a conversa. Então o homem começa a falar coisas sobre o seu irmão, e dá a entender que sabe a sua orientação sexual, demonstrando que é verdade o que ele fala e na certeza que Marcelo iria lhe reconhecer. Marcelo argumenta que não está num bom dia, mas continua puxando na memória a figura desse homem Com algum alívio Marcelo vê no visor que chegou a sua vez ser atendido. Ainda se encontram na saída, e o homem pede que não se esqueça de lhe telefonar. Marcelo fica intrigado, como pode não lembrar desse homem? É o tipo de homem que não passaria despercebido pelo seu olhar. Ali mesmo resolve jogar o cartão fora, melhor não ter chance de cair em tentação. Marcelo resolve perguntar para seu irmão, este fica bravo achando que Marcelo está tendo um caso com um homem casado, seu irmão é do tipo conservador e machista. Mal consegue começar a conversa e seu irmão já vem com quatro pedras na mão. Na hora do jantar um amigo do seu irmão passa em sua casa e Marcelo acaba perguntando do homem misterioso para ele, esse confirma que ele “é casado sim, mas curte comer veado e ainda grava para mostrar por aí”.
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- Mas Rafa, o pior de tudo é que meu irmão ainda pensa que eu estou tendo um caso com esse cara, até falou com minha mãe depois do jantar.... Bem, esse foi o meu longo dia de folga. E o que você achou?
- Nossa Marcelo, essa sua estória me inspirou a escrever. Posso escrever um conto baseado no seu “causo”?
- Claro que sim Rafa, mas quero que você crie um final feliz. Tipo último capítulo de novela das seis.
- Marcelito, os frutos da prateleira do mercado são sempre suculentos, né? Mas cuidado com os agrotóxicos.....
Marcelito, em sua homenagem. Te adoro, você sabe, né!
Bjinho com sabor de maça.
Rafa
sexta-feira, 4 de abril de 2008
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2 comentários:
Meda!! Viu isso tudo é real? hahaha
Mas onde fica minha criatividade? Prefiro baseado em fatos reais...
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